Durante meus anos trabalhando em cozinhas australianas, uma das maiores revelações foi descobrir um universo de especiarias que raramente chegam às cozinhas brasileiras. Muitas delas são verdadeiros pilares em suas culinárias de origem, ingredientes que definem a identidade de pratos milenares, mas que permanecem desconhecidas para grande parte do mundo ocidental.

Hoje, quero apresentar algumas dessas joias culinárias que merecem um lugar na sua despensa e que podem transformar completamente seus pratos cotidianos.

Sumac: O Limão do Oriente Médio

A primeira vez que provei sumac foi em um restaurante libanês em Melbourne. O que parecia ser apenas um pó vermelho polvilhado sobre a salada fattoush revelou-se uma explosão cítrica que elevou todos os outros ingredientes.

O sumac é obtido dos frutos secos e moídos da planta Rhus coriaria, nativa do Mediterrâneo oriental e Oriente Médio. Seu sabor é intensamente cítrico e levemente frutado, lembrando limão, mas com uma complexidade mais terrosa.

Características:

  • Cor vermelho-escura vibrante
  • Sabor ácido, semelhante ao limão, mas mais sutil
  • Aroma frutado com notas herbáceas

Como usar:

  • Polvilhado sobre hummus, babaganoush ou labneh
  • Em marinadas para carnes brancas e peixes
  • Em saladas como o fattoush libanês
  • Como parte do za’atar, mistura de especiarias do Oriente Médio
  • Para adicionar acidez a pratos quando você não quer adicionar umidade

Na culinária tradicional do Levante (região que inclui Síria, Líbano, Jordânia, Palestina), o sumac é tão fundamental quanto o limão é para nós, brasileiros. É uma especiaria que adiciona brilho e profundidade, sem necessariamente dominar os outros sabores.

Amchoor: O Segredo da Acidez Indiana

Meu primeiro contato com o amchoor foi na cozinha de um amigo indiano que preparava chaat, um popular petisco de rua indiano. Intrigada pelo sabor ácido e frutado que não conseguia identificar, perguntei qual era o segredo. A resposta foi um pequeno pote contendo um pó amarelado: amchoor, ou pó de manga verde.

O amchoor é feito de mangas verdes, não maduras, que são secas ao sol e depois moídas até se tornarem um pó fino. O resultado é um ingrediente que adiciona acidez sem umidade, perfeito para marinadas secas e misturas de especiarias.

Características:

  • Cor amarelo-bege claro
  • Sabor ácido e frutado, reminiscente de manga verde
  • Aroma tropical, levemente adstringente

Como usar:

  • Em marinadas secas para vegetais e proteínas
  • Em chaat masala (mistura de especiarias para petiscos)
  • Para adicionar um toque ácido a ensopados e currys
  • Em bolinhos e preparações de grão-de-bico
  • Como substituto do tamarindo ou limão quando não se deseja umidade adicional

Na Índia, o amchoor é particularmente popular nas regiões norte e oeste, onde dá vida a pratos vegetarianos e cria camadas de sabor nos complexos currys regionais.

Mahlab: A Especiaria que Mudou Minha Visão sobre Panificação

Durante um workshop de panificação do Oriente Médio em Sydney, fui apresentada ao mahlab (ou mahleb), uma especiaria derivada do caroço de uma cereja selvagem do Mediterrâneo. Ao adicionar uma pequena quantidade à massa de um pão doce, o resultado foi surpreendente: notas de amêndoa, cereja e um toque floral que transformaram completamente o produto final.

O mahlab é extraído das sementes da cereja de Santa Lúcia (Prunus mahaleb), uma árvore nativa do Mediterrâneo e Oriente Médio. As sementes são removidas do caroço, secas e depois moídas, criando um pó aromático.

Características:

  • Cor branca a marrom-clara
  • Sabor complexo, com notas de amêndoa amarga, cereja e baunilha
  • Aroma doce e floral, lembrando massapão

Como usar:

  • Em pães doces, como o tsoureki grego ou o choereg armênio
  • Em biscoitos e bolos
  • Em pudins de leite
  • Como parte de misturas de especiarias doces
  • Até mesmo em alguns pratos salgados do Oriente Médio

O mahlab é especialmente valorizado na Grécia, Turquia, Armênia e países árabes, onde é indispensável em receitas de pães festivos e sobremesas tradicionais. É uma especiaria que conecta gerações através de receitas transmitidas por séculos.

Ras el Hanout: A Mistura das Misturas

Em uma feira de alimentos internacionais em Melbourne, um vendedor marroquino me ofereceu uma xícara de chá e um pequeno pão flat coberto com uma mistura de especiarias. “Isso é ras el hanout”, ele explicou, “a coroa das especiarias da nossa cozinha”. Uma única mordida transportou-me para os mercados de Marrakech que eu havia visitado apenas em livros.

Ras el hanout não é uma única especiaria, mas uma mistura complexa que pode conter de 12 a mais de 30 ingredientes diferentes. O nome significa “cabeça da loja” em árabe, sugerindo que é a mistura premium que representa o melhor que um comerciante de especiarias tem a oferecer.

Componentes comuns:

  • Cardamomo, cravo, canela, noz-moscada, páprica
  • Pimenta da Jamaica, pimenta-do-reino, gengibre
  • Cúrcuma, açafrão, cominho, coentro
  • E às vezes ingredientes mais exóticos como pétalas de rosa e lavanda

Características:

  • Cor marrom-avermelhada
  • Sabor complexo, doce e picante, com camadas de notas florais e terrosas
  • Aroma profundamente aromático, quente e envolvente

Como usar:

  • Em tagines (ensopados marroquinos)
  • Para temperar carnes antes de grelhar
  • Em cuscuz e outros grãos
  • Em molhos para mergulhar
  • Em marinadas para vegetais assados

Cada família marroquina tem sua própria receita de ras el hanout, guardada com o mesmo zelo que nossas avós brasileiras protegem suas receitas especiais. A beleza desta mistura é que ela simplifica o processo de adicionar complexidade a um prato – um único ingrediente que carrega dezenas de sabores diferentes.

O Valor das Especiarias Esquecidas

O que torna estas especiarias tão especiais não é apenas seu sabor único, mas as histórias que elas carregam. Por trás de cada uma dessas especiarias existem tradições culinárias milenares, rotas comerciais históricas e conhecimentos passados através de gerações.

Incorporar estas especiarias esquecidas em nossa cozinha não é apenas uma forma de diversificar sabores, mas também de conectar-se com outras culturas de maneira profunda e respeitosa. Cada vez que uso sumac em uma salada ou mahlab em um pão doce, sinto que estou participando de uma tradição que transcende fronteiras e tempos.

No Brasil, algumas lojas especializadas em produtos árabes, indianos ou mediterrâneos podem ter estas especiarias. Alternativamente, existem lojas online que importam estes ingredientes. O investimento vale a pena: a maioria destas especiarias tem vida útil longa e apenas pequenas quantidades são necessárias para transformar um prato.

Na próxima vez que você estiver preparando uma refeição familiar, considere adicionar um destes tesouros culinários. Às vezes, é precisamente o ingrediente desconhecido que se torna o elemento mais memorável de uma experiência gastronômica.

Você já experimentou alguma destas especiarias? Ou tem alguma especiaria incomum favorita que gostaria de compartilhar? Conte nos comentários!