Uma das primeiras perguntas que aprendi a nunca fazer na Austrália é: “De onde vem a Pavlova?” Esta aparentemente inocente indagação sobre uma sobremesa de merengue pode iniciar debates acalorados entre australianos e neozelandeses. Depois de oito anos vivendo na Austrália e trabalhando como chef, posso dizer que poucos pratos carregam tanta bagagem cultural e nacionalista quanto esta delicada sobremesa.

A Grande Controvérsia Australiana x Nova Zelândia

A Pavlova é uma sobremesa de merengue com exterior crocante e interior macio como marshmallow, tradicionalmente coberta com chantilly e frutas frescas. Tanto a Austrália quanto a Nova Zelândia reivindicam sua criação, e este debate é tão sério que já foi objeto de estudos acadêmicos.

Os australianos afirmam que o chef Herbert Sachse criou a sobremesa no Hotel Esplanade em Perth em 1935 em homenagem à bailarina russa Anna Pavlova durante sua turnê pela Austrália. Já os neozelandeses argumentam que a receita apareceu primeiro em seus livros de culinária na década de 1920.

Em meus anos trabalhando em cozinhas australianas, aprendi rapidamente a diplomaticamente dizer: “É uma sobremesa da Oceania” quando questionada sobre a origem. Como dizia meu chef-mentor em Melbourne: “Se quiser manter a paz na cozinha, nunca tome partido neste debate.”

O Significado Cultural da Pavlova

Independentemente de sua origem, a Pavlova transcendeu a disputa para se tornar um símbolo cultural importante. Na Austrália, é praticamente obrigatória em celebrações natalinas e é frequentemente preparada para ocasiões especiais como o Australia Day (26 de janeiro).

O que torna esta sobremesa tão especial para os australianos não é apenas seu sabor, mas o que ela representa: a adaptação de tradições européias ao hemisfério sul. O Natal australiano acontece no verão, e a Pavlova, coberta com frutas frescas da estação como manga, maracujá e frutas vermelhas, simboliza esta inversão climática das tradições do hemisfério norte.

A Ciência por Trás do Merengue Perfeito

Durante minha formação em gastronomia na Austrália, passei semanas estudando a química por trás do merengue perfeito. A Pavlova é notoriamente temperamental e exige compreensão de alguns princípios científicos:

  1. O papel do vinagre ou limão: A acidez estabiliza as proteínas da clara, permitindo que retenham mais ar.
  2. O amido de milho (cornstarch): Absorve qualquer umidade residual, ajudando a criar o contraste entre o exterior crocante e o interior macio.
  3. O açúcar: Deve ser adicionado lentamente para dissolver completamente e criar uma estrutura estável. Açúcar não dissolvido causa “lágrimas” (weeping) no merengue.
  4. A importância da temperatura: O forno inicialmente quente (180°C) cria a casca externa, seguido por longo tempo em temperatura baixa (120°C) para secar o interior sem queimar.

Aprendi que até a umidade do ar influencia o resultado final. Nas cozinhas australianas profissionais, a Pavlova raramente é preparada em dias chuvosos ou muito úmidos.

A Receita da Pavlova Perfeita

Depois de centenas de tentativas (e alguns fracassos memoráveis), desenvolvi esta receita à prova de falhas:

Ingredientes:

  • 6 claras de ovos em temperatura ambiente
  • 300g de açúcar refinado
  • 2 colheres de chá de amido de milho (cornstarch)
  • 1 colher de chá de vinagre branco ou suco de limão
  • 1 colher de chá de essência de baunilha

Para a cobertura:

  • 500ml de creme de leite fresco
  • 2 colheres de sopa de açúcar de confeiteiro
  • Frutas frescas variadas (manga, kiwi, maracujá, morangos, mirtilos)