Quando iniciei meus estudos de gastronomia na Austrália, uma das primeiras lições que revolucionou minha compreensão da culinária foi a descoberta do umami. Embora hoje seja amplamente discutido no mundo gastronômico, este “quinto sabor” ainda é pouco compreendido por muitos cozinheiros amadores no Brasil. Depois de seis anos trabalhando como chef em cozinhas multiculturais, posso afirmar: entender e dominar o umami transformou completamente minha maneira de criar sabores.
O que realmente é umami?
Tradicionalmente, aprendemos que existem quatro sabores básicos: doce, salgado, ácido e amargo. Mas em 1908, o cientista japonês Kikunae Ikeda identificou um quinto sabor distinto, que chamou de “umami” (うま味) – uma palavra japonesa que significa aproximadamente “sabor agradável e saboroso”.
O umami está associado à percepção de:
- Profundidade de sabor
- Intensidade gustativa
- Sensação de preenchimento na boca
- Prolongamento da experiência de sabor
Cientificamente, o umami é detectado por receptores específicos em nossas papilas gustativas que respondem principalmente ao glutamato e nucleotídeos como inosinato e guanilato – compostos presentes naturalmente em vários alimentos.
Os alimentos campeões de umami
Durante meus anos na Austrália, notei como diferentes culturas culinárias intuitivamente desenvolveram técnicas para maximizar o umami, mesmo sem conhecer o conceito. Alguns dos ingredientes mais ricos neste quinto sabor:
Fontes de umami da cultura ocidental:
- Queijos curados (especialmente parmesão envelhecido)
- Carnes maturadas
- Tomates maduros e concentrados
- Cogumelos secos
- Anchovas e outras conservas de peixe
- Presunto curado
Fontes de umami da cultura asiática:
- Molho de soja e tamari
- Kombu (alga marinha)
- Katsuobushi (flocos de bonito seco)
- Miso
- Shiitake seco
- Molho de peixe
Lembro-me de um chef japonês com quem trabalhei em Melbourne que sempre dizia: “O segredo não é adicionar mais sal, é encontrar mais umami.”
Como incorporar umami na cozinha brasileira
Uma das descobertas mais fascinantes que fiz foi perceber que a culinária brasileira já utiliza técnicas que maximizam o umami, mesmo sem usar este termo. Por exemplo:
- O refogado brasileiro: A combinação de cebola e alho dourados libera compostos ricos em umami
- Comida de boteco: A harmonia perfeita entre torresmo, linguiça e cerveja explora plenamente o umami
- Feijoada: O cozimento lento das carnes curadas com feijão cria uma explosão de umami
- Moqueca: A combinação de frutos do mar, tomate e dendê cria camadas complexas deste sabor
No entanto, podemos intensificar ainda mais nossos pratos brasileiros entendendo conscientemente este quinto sabor.
Técnicas que aprendi para maximizar o umami
Em minhas experiências trabalhando com chefs de diversas nacionalidades, aprendi várias técnicas para amplificar o umami:
1. Fermentação e maturação
Quase todos os alimentos fermentados são bombas de umami. Experimente:
- Incorporar um pouco de missô em molhos tradicionais brasileiros
- Usar um toque de molho de peixe tailandês em ensopados
- Experimentar kombuchas salgadas como deglaçante de panelas
2. Desidratação e concentração
A remoção de água concentra os compostos de umami:
- Tomates assados lentamente no forno
- Cogumelos desidratados e depois reidratados
- Concassé de tomate (sem sementes e pele) reduzido lentamente
3. O truque do parmesan rind
Esta técnica que aprendi com um chef italiano em Melbourne é revolucionária:
- Guarde as cascas do queijo parmesão no congelador
- Adicione uma casca em sopas, caldos e molhos durante o cozimento
- Retire antes de servir
O resultado é uma profundidade de sabor surpreendente sem adicionar mais sal.
4. Dashi express
O dashi é o caldo base da culinária japonesa, rico em umami. Criei uma versão rápida que uso para intensificar pratos brasileiros:
- 1 colher de sopa de flocos de bonito seco (katsuobushi)
- 1 pedaço pequeno de kombu (5cm)
- 2 cogumelos shiitake secos
- 500ml de água quente
Deixe infusionar por 15 minutos, coe e use algumas colheradas deste líquido para intensificar molhos, sopas e refogados.
Meu experimento com feijão “turbinado”
Recentemente, desenvolvi um método para elevar o humilde feijão brasileiro a novos patamares usando princípios de umami:
- No refogado tradicional, adicione um anchovinha amassada (ela “desaparece” sem deixar gosto de peixe)
- Acrescente um cogumelo portobello picado junto com a cebola
- Adicione uma colher de chá de extrato de tomate concentrado
- Deglace a panela com uma colher de molho de soja antes de acrescentar o feijão
- Cozinhe normalmente
O resultado é um feijão com uma profundidade de sabor notável que faz as pessoas perguntarem: “O que tem aqui que está tão especial?”
O teste definitivo do umami
Durante um jantar que organizei para chefs em Melbourne, fiz um experimento simples que demonstrou o poder do umami. Servi duas versões idênticas de um risoto básico, exceto por um detalhe:
- Versão A: Risoto tradicional com manteiga e parmesão
- Versão B: O mesmo risoto, mas o caldo usado havia sido infusionado com casca de parmesão e um pequeno pedaço de kombu
Os convidados não sabiam da diferença, mas 9 em cada 10 preferiram a versão B, descrevendo-a como “mais profunda”, “mais satisfatória” e “com sabor mais persistente” — todos atributos clássicos do umami.
Por que o umami é tão satisfatório?
Estudos mostram que o umami pode:
- Reduzir a necessidade de sal e gordura nos pratos
- Aumentar a salivação e a digestibilidade
- Proporcionar maior satisfação após as refeições
- Criar memórias gustativas mais intensas
Talvez por isso alguns dos pratos mais reconfortantes do mundo — da feijoada brasileira ao ragu italiano, do lámen japonês ao cozido português — sejam verdadeiras celebrações inconscientes de umami.
Depois de entender o umami, nunca mais cozinhei da mesma forma. Este quinto sabor não é apenas uma curiosidade científica, mas uma ferramenta poderosa para qualquer cozinheiro que busca criar pratos memoráveis com menos dependência de sal, açúcar e gordura.
Como você poderia explorar o umami em suas receitas favoritas? Tem alguma técnica pessoal para intensificar sabores? Compartilhe nos comentários!